I.
As designadas cláusulas “verdes” têm sido alvo de preocupação e de referência na elaboração e celebração de contratos em países como o Reino Unido, Suécia, Países Baixos, França e Espanha, entre outros. Apesar da adesão a um novo e complexo clausulado, até ao momento não existe regulação ou definição legal da expressão anglo- saxónica de green lease; no entanto, revela-se expectável que, num futuro iminente, contratos com disposições “verdes” venham a ganhar terreno no espaço comunitário e nacional. Revela-se curioso que um dos países mais avançados e conscientes da importância de definição e regulação das green clauses seja a Austrália, que, já desde 2006, tem empreendido esforços no sentido de regulamentação específica sobre esta matéria em apreço, sendo uma prática já quase banalizada, no bom sentido da palavra, nos contratos de arrendamento. De acordo com um estudo realizado pela Savills Investment Management, 73% dos investidores preveem que as cláusulas “verdes” venham a ser incorporadas nos contratos entre senhorios e investidores até 2029.
II.
Em termos sumários, as green clauses pautam-se essencialmente pela prossecução de objetivos de cariz ecológico, tais como a melhoria do ambiente, através da redução de emissão de carbono e de gases de efeito de estufa, a opção por energias renováveis e a tendência de ir ao encontro de economias circulares, dos 3Rs (Reduzir, Reutilizar e Reciclar). Importa ressaltar, antes de entrar em pormenor sobre a aplicação deste clausulado nos contratos de arrendamento, que as preocupações que paulatinamente se vão sentido, cada vez com maior robustez, visam, no futuro, não só almejar as metas propostas pelo Acordo de Paris, encontrando-se a União Europeia na dianteira no que concerne à luta contra as alterações climáticas; mas, por outro lado, e não pondo de lado a visão económico-financeira do mercado de arrendamento, há uma clara noção de que a definição de metas ambientais conduzirão a um recrudescimento significativo do valor dos ativos e da própria imagem do proprietário/senhorio, junto de investidores e potenciais arrendatários.
Indubitavelmente que as cláusulas verdes são uma aposta no futuro, não só no tocante a uma valorização do imóvel, ao adequá-lo sob o ponto de vista energético, como também para uma suavização dos efeitos nefastos da crise climática sentida globalmente e com provas cada vez mais claras da sua existência e ferocidade. As ondas de calor no verão por toda a Europa não podem ser esquecidas. A crise energética é um fenómeno muito presente na vida dos portugueses, refletindo-se, desde 2021, num aumento exponencial dos preços da eletricidade e do gás natural, na sequência da guerra da Ucrânia e dos conflitos com a Rússia. Em termos pragmáticos, a crise energética caracteriza-se pela ocorrência de dificuldades no aprovisionamento ou na distribuição de energia, desencadeando efeitos adversos na economia, mais concretamente distúrbios na lei da oferta e da procura, dado que a oferta de energia, face à conjuntura atual, é manifestamente inferior à sua procura, repercutindo-se de forma perniciosa e alarmante na produção e distribuição dos produtos e numa inflação galopante.
III.
Os green leases são contratos de arrendamento que incluem cláusulas “verdes” (green clauses), através dos quais o proprietário e o arrendatário assumem o compromisso de serem responsáveis na utilização e exploração dos edifícios, sempre com o foco na eficiência e sustentabilidade. Estas cláusulas visam obter uma maior produtividade e saúde dos ocupantes, promovendo uma atitude e estilo de vida mais sustentáveis. Apesar da sua consagração nos contratos de arrendamento se encontrar à míngua do pretendido, prevê-se que venham a ser objeto de uma procura e utilização crescentes, face aos planos de neutralidade carbónica a que os Estados membros se comprometeram e, por outro lado, devido à crise energética que deflagrou sobre as economias mundiais e que exige uma mudança rápida do paradigma.
As cláusulas “verdes” imperam no âmbito da autonomia privada, de acordo com o preceituado no artigo 405.º, n.º 1 do Código Civil, importando realçar a importância que desempenha a liberdade de estipulação das partes, desde que respeitem os ditames da lei. Aliás, para a elaboração de green clauses deve destacar-se a relevância da negociação inerente à celebração do contrato, já que o draft de um contrato sustentável tem de estabelecer standards que sejam objetivamente atingíveis e que não criem entropias.
IV.
É fundamental que proprietários e inquilinos cheguem a acordo sobre os objetivos e metas de sustentabilidade que pretendem para o imóvel locado e a sua utilização. Em Portugal, não existe legislação específica acerca deste tipo de cláusulas, prevendo-se somente a obrigação de existência de certificado energético e de qualidade do ar. Todavia, a área contratual é fascinante, permitindo que cada contraente opte por construir um contrato à sua medida e com os seus objetivos e obrigações, permitindo uma flexibilidade típica na área contratual. Aliás, há que sublinhar que o locatário, ao abrigo do disposto no artigo 1038.º, alínea b), do Código Civil, tem a obrigação de facultar ao locador o exame da coisa locada, o que, no âmbito do tema das green clauses, faz todo o sentido, na medida em que beneficia ambos os contraentes e procura rentabilizar ao máximo o imóvel.
Vejamos com maior detença.
Exemplos práticos de inclusão deste tipo de cláusulas em contratos de arrendamento:
i. Uma hipótese a considerar é fixar no contrato um objetivo de redução de consumo de energia, através da opção por iluminação interior de tecnologia LED de alto desempenho energético ou a instalação de reguladores de fluxo luminoso de sistemas luminotécnicos;
ii. O senhorio deverá, sempre que possível, optar pela instalação de painéis solares ou outros sistemas para gerar energia, de forma a apostar em energias renováveis;
iii. Cabe ao senhorio ou ao arrendatário, dependendo do contexto negocial, instalar um dispositivo metálico complementar nas torneiras e chuveiros que permita reduzir o fluxo de água;
iv. A opção por modelos de autoclismo de dupla descarga é uma alternativa mais sustentável e que permite reduzir o consumo de água, assim como o seu desperdício;
v. O inquilino fica obrigado a uma realização criteriosa de gestão de resíduos, impendendo sobre si a obrigação de reciclar e de o separar, de modo a poder fazer compostagem com o seu lixo orgânico, utilizando-o como adubo para as suas plantas (promover o cultivo de plantas e de mini-hortas sempre que possível);
vi. O senhorio fica investido de equipar o imóvel locado com equipamentos AVAC (aquecimento, ventilação e ar condicionado) que ofereçam uma maior eficiência energética, uma boa manutenção e conforto ambiental; vii. O senhorio/ arrendatário deverá procurar equipar o imóvel com eletrodomésticos eficientes de baixo consumo;
viii. O arrendatário deverá dar primazia à utilização de meios de transporte alternativos, tais como transportes públicos, uso da bicicleta ou veículos elétricos ou híbridos.
Estes são apenas alguns exemplos da miríade de oportunidades ao alcance do senhorio e arrendatário no momento de negociação e celebração do contrato de arrendamento.
Efetivamente, o apelo de aumentar a produção e utilização de energias renováveis, procurando incentivar-se a poupança energética; diversificando as fontes de energia é uma estratégia comercial por parte dos senhorios, que incorrem inicialmente em obras que adequem o seu imóvel a parâmetros ecológicos específicos, mas que no final têm o seu retorno, por diversos motivos:
a) Fator preferencial na hora de optar pelo investimento e contratação, quer quanto à sua aquisição quer ao nível de arrendamento;
b) Influência no preço da venda e de locação do ativo;
c) Chamariz para inquilinos com um poder económico mais elevado;
d) Obtenção de benefícios fiscais e fundos para iniciativas verde.
V.
As cláusulas “verdes” assinalam o futuro no mercado de arrendamento, à escala mundial, revelando-se essencial que ambas as partes no contrato possam gozar da sua consagração. Sem embargo de representar no início um custo adicional, principalmente a expensas do senhorio, este tipo de clausulado permite um controlo efetivo, periódico, sério e transparente, no que concerne aos custos de energia das instalações, gerando na esfera jurídica dos contraentes uma obrigação responsável em termos de práticas ambientais e de sustentabilidade, assim como possibilitam uma gestão mais eficiente, contribuindo largamente para uma melhoria da eficiência energética do imóvel. As green clauses caminham no sentido da mitigação das alterações climáticas e da prevenção e controlo da poluição, evidenciando a Responsabilidade Social em enfrentar uma realidade que não pode mais ser descurada, nem ignorada.