As condições vividas nos últimos dias têm ditado várias alterações no dia-a-dia dos portugueses, o que tem vindo a implicar um progressivo e elevado nível de medidas restritivas da liberdade dos mesmos, o que abrange uma convocação de recursos jurídicos restritivos de direitos fundamentais da população.
As medidas mais agravantes foram agora adotadas com o Decreto do Presidente da República n.º 51-U/2020, que regulamenta a aplicação do estado de emergência decretado.
No entanto, trata-se de um estado de emergência diferente do que já foi imposto anteriormente, quando foi obrigatório que todos os portugueses permanecessem em casa, com muitos setores afetados devido aos encerramentos obrigatórios o que, inevitavelmente, conduziu ao abalo de uma nova e elevada crise económica no nosso país, conforme se confirma com os índices de estabelecimentos a encerrarem por falta de verbas e da taxa de despedimento, bem como procura de subsídios de desemprego a aumentaram exponencialmente.
Atualmente, trata-se de uma situação restritiva de direitos, mas não de todos os direitos, mas como é que se poderá enquadrar este novo estado no nosso regime jurídico, diferenciando-se do estado de calamidade que temos vivido nos últimos meses e simultaneamente diferenciando-se do estado de emergência que todos já vivemos? São estas as questões que se colocam, e às quais ainda existem muitas dúvidas por parte dos cidadãos, que se encontram desemoldurados destas novas medidas, tanto a nível de restrições dos seus direitos fundamentais, como a nível do que podem ou não podem fazer, o que dita a lei afinal?
Em síntese, a situação de calamidade enquadra-se num âmbito menos gravoso que o estado de emergência, desde logo por ser declarada pelo Governo ou Municípios, em caso de menor abrangência geográfica, tendo subjacente motivos relativos a acidentes graves ou até mesmo casos de catástrofe, que exijam a adoção de medidas excecionais para repor a normalidade, enquanto o estado de emergência abrange casos de calamidade pública ou situações que afrontem a segurança nacional.
Sendo de extrema importância as restrições previstas em cada situação, pois se estivermos perante uma situação de calamidade as suas restrições encontram-se devidamente especificadas na Lei de Bases da Proteção Civil, não podendo interferir com direitos fundamentais em momento algum, conforme dita o seu enquadramento legal na Lei n.º 27 de 2006 da Lei de Bases da Proteção Civil.
Ademais, a situação de calamidade, apesar de poder coincidir em termos de prazo relativamente as medidas adotadas com o prazo estipulado para o estado de emergência (15 dias), esta situação não tem um prazo obrigatório subjacente.
Deste modo, no que tange ao estado de emergência vem clarificar-nos o artigo 19.º da Constituição da República Portuguesa, que legitima a efetivação de um estado de emergência proporcional e adequado à evolução da situação epidemiológica, com efeitos preventivos e necessários à diminuição de uma propagação da doença, Covid-19.
Assim, e como Portugal se pauta por critérios democráticos, baseados no respeito pelos direitos fundamentais dos cidadãos, garantindo, sempre, os seus direitos liberdades e garantias, conforme prevê o artigo 2.º da CRP, as limitações exigidas, durante este período de tempo, abrangem o estritamente necessários para que existam menos meios propícios a criar ajuntamentos, não colocando em perigo o encerramento das atividades laborais imprescindíveis à economia e à vida de todos os cidadãos.
O estado de emergência adota medidas a níveis de matéria no âmbito da:
Não excecionando as medidas já implementadas como reduções no n.º de pessoas que podem frequentar estabelecimentos, o uso de máscara obrigatória em todos os locais fechados e na rua quando seja impossível manter a distância de segurança, entre outras.
Sendo que, todas estas medidas, dada a sua gravidade para o exercício direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, a vertente do estado de emergência, só pode ser declarado pela Assembleia da República por ser matéria legislativa da exclusiva reserva deste órgão, nos termos do artigo 164º al. e) da CRP, o que significa que só a Assembleia da República pode decretar o estado de emergência.
Isto porque, o estado de emergência implica a suspensão de direitos fundamentais, o que subjaz uma causa amplamente fundamentada e justificativa da implementação desta medida, respeitando todo o seu procedimento como dita a CRP, nomeadamente em termos de prazo que não deve exceder os 15 dias, ao abrigo do artigo 19.º, n.º 2, 3, 5.
Existindo sempre, um vasto leque de direitos, liberdades e garantias, que não poderão ser afetados pela decisão de implementação de um estado de emergência, vide artigo 19.º, n.º 6 da CRP:
“A declaração do estado de sítio ou do estado de emergência em nenhum caso pode afetar os direitos à vida, à integridade pessoal, à identidade pessoal, à capacidade civil e à cidadania, a não retroatividade da lei criminal, o direito de defesa dos arguidos e a liberdade de consciência e de religião.”
Em termos de cessação do estado de emergência agora decretado, não existe nenhum limite temporal previsto, exceto o prazo de 15 dias, que provavelmente será renovado até que o índice de infetados com o novo Coronavírus desça significativamente, possibilitando uma maior e viável estabilidade nacional relativamente às condições atuais que fundamentaram a implementação de todas as novas medidas.
E quem não cumprir as regras? Terá apenas uma mera advertência?
É exatamente na sequência da violação das medidas estabelecidas, mediante o novo estado de emergência adotado, que faz os autores dessas infrações incorrerem em crime de desobediência.
E os cidadãos que vêm os seus direitos liberdades e garantias violados na sequência da declaração deste estado de emergência?
Ora, todos os cidadãos que se encontrem perante estes termos, uma vez que tal medida seria estritamente inconstitucional, por privação injustificada (fora dos tramites do estado de emergência adotado), têm direito à correspondente indemnização, nos termos gerais.
Formando-se desta forma o equilíbrio necessário e adequado às circunstâncias atuais, estando devidamente enquadrados todos os ulteriores trâmites legais e constitucionalmente possíveis no nosso país.
N.B.: A informação contida nesta nota informativa não pode ser usada para qualquer fim ou reproduzida, no seu todo ou em parte, sem expressa autorização da Paulo Silva & Associados. O seu conteúdo não constitui aconselhamento jurídico, o qual deverá ser procurado face às circunstâncias concretas de cada caso. Se desejar obter esclarecimentos adicionais sobre esta matéria, não hesite em contactar-nos através do e-mail psa@psa.pt