Se todos somos o reflexo daquilo que outrora fomos, isto é, de experiências vividas, hábitos e até situações caricatas e peculiares que moldaram a forma como vemos e vivemos o mundo que nos envolve, os nossos comportamentos, quer sejam pessoais e/ou em comunidade , acabam por refletir essas experiências, permanecendo na forma como procuramos agir comunitariamente.
A situação pandémica vivida – Covid-19 – com especial acuidade sobre o estado de emergência e nas medidas restritivas da liberdade de circulação dos portugueses, forçaram-nos a adotar novos comportamentos adaptados à nova realidade então vivida. Comportamentos alguns que se mantiveram inalterados nos dias de hoje, não só pelas vantagens que proporcionavam, mas também pela própria comodidade.
Referimo-nos, evidentemente, aos novos desafios laborais mediante a adaptação ao teletrabalho, aos novos métodos de aprendizagem por meios de comunicação à distância e ao fenômeno dos contratos celebrados fora do estabelecimento comercial, com recurso a técnicas jurídicas que visam, não só fornecer a efetivação de novas relações contratuais, como também garantir a devida proteção dos consumidores que muitas vezes se encontram numa situação de maior responsabilidade.
Atualmente, o recurso à contratação eletrônica mantém uma posição privilegiada no dia-a-dia dos portugueses. Facilitada pela declaração das novas tecnologias e da internet como meios de comunicação de vanguarda, que viabilizam o desenvolvimento e crescimento da assinatura à distância, a assinatura eletrônica afirma-se pela celeridade, flexibilidade e eficácia, permitindo uma melhor racionalidade de meios e um sucesso garantido de um processo de contratação simplificado e menos oneroso, onde os consumidores numa receita de segundos podem comparar preços, características e qualidade de bens e serviços que pretendem contratualizar.
Apesar das inúmeras vantagens que este tipo de contratualização poderá provar ao trânsito jurídico, certo é que não devemos negligenciar a permanência e problemas inerentes ao mesmo, designadamente no que concerne à proteção do adquirente de bens e serviços, que muitas vezes, por falta de comunicação e informação, vê como suas expetativas defraudadas.
Por isso mesmo, ou seja, pelo fato de o consumidor particular, adquirente de bens e serviços, encontrar-se muitas vezes na posição de maior traficante, o nosso ordenamento jurídico, fruto de influências europeias, adotou um conjunto de controles legais, destinado à proteção do consumidor, com especial incidência sobre os direitos de comunicação e informação.
Em primeiro lugar, destacamos o Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de fevereiro, que transpõe para a ordem jurídica portuguesa a Diretiva n.º 2011/83/EU, do Parlamento Europeu e do Concelho, de 25 de outubro de 2011, e constitui um importante instrumento de defesa dos consumidores, designadamente ao determinar o cumprimento de um conjunto de deveres de informações pré-contratuais de forma a salvaguardar os interesses legítimos dos consumidores.
Naturalmente, partindo da premissa de que este tipo de contratação é celebrado entre pessoas que fisicamente e simultaneamente não se encontram presentes, evidentemente se mostram os fundamentos a que levaram, que os atos jurídicos europeus, que a lei nacional, a presumir uma captura especial do consumidor particular, adotando controles legais que proporcionem a estes um conjunto de elementos e informações, não só sobre a identidade de quem está contratando, bem como dos bens e serviços que estão a adquirir e do conteúdo do contrato a que pretendem aderir.
Ora, o artigo 4.º do supra mencionado Decreto-Lei, cumprindo o disposto vertido no número 1 do artigo 60.º da Constituição da República Portuguesa, estabelece um conjunto de informações pré-contratuais que o fornecedor de bens ou prestador de serviços deve facultar ao consumidor, em tempo útil e de forma clara e percetível, de forma a garantir a comunicação de informação relativa à sua própria identificação, às características dos bens e serviços, ao preço e à modalidade de pagamento, bem como aos demais elementos informativos variados sobre o conteúdo do contrato a celebrar.
Isto significa que, conforme as referidas informações pré-contratuais e as demais vertidas no referido artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de fevereiro, visam não só acautelar o consumidor com a informação necessária para a formação da vontade de contratar, mas também fornece a este um conjunto de garantias que visam proteger o consumidor e salvaguardar os seus direitos enquanto tal. Por outro lado, a prestação destas informações atua como elementos da declaração negocial do profissional, devendo ser devidamente atendidos e valorados de forma para que o recetor forme a sua inscrição de se vincular à proposta negocial interna.
Por fim, destacamos o Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro, que estabelece o regime jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais, que deixou o seu cunho na política de proteção dos direitos dos aderentes.
Atualmente, um grande número de fornecedores de bens e serviços, disponibilizam os seus produtos mediante a celebração de contratos de adesão com recurso a contratos cujo conteúdo incide sobre o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais.
Estas consistem em cláusulas contratuais pré-elaboradas, sobre as quais, entre as partes, encontram-se vedada a negociação prévia, destinadas à generalidade da população, cujo único poder que detêm é aceitá-las na sua totalidade ou recusar a contratação do bem ou serviço que pretende obter.
De fato, pelo fato desta modalidade de contratação não permitir a negociação entre as partes, os aderentes detêm uma posição de maior proteção dentro da relação contratual, pelo que se afigura de elevada importância proteger os diretos destes, adotando o interruptor legal que viabilizem a imposição de deveres de comunicação e informação direcionados aos efeitos de serviços.
Deste modo, o artigo 5.º do referido Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro, determina um conjunto de exigências de comunicabilidade, que se traduzem na comunicação das cláusulas contratuais inseridas no contrato, que devem realizar-se na íntegra e de um modo direto, adequado e atempado, de forma a possibilitar o conhecimento completo e efetivo para a formação da decisão de contratar.
Ainda assim, e sempre que se justifique, os consumidores particulares detêm a faculdade de solicitar informações adicionais e/ou complementares solicitados sobre o conteúdo das cláusulas contratuais gerais, sendo um dever da parte contrária prestar todos os esclarecimentos respeitosos, cfr. artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro.
O título meramente ilustrativo, mas com elevada conversão prática, penso nos denominados “termos e condições” ou “termos de serviço” e nos demais contratos, nomeadamente os contratos de fornecimentos de água, eletricidade, gás, telecomunicações e contratos de seguro, cujo conteúdo dos mesmos, para que possa perpetuar, deverá obedecer a um conjunto de princípios de razoabilidade, designadamente a elaboração de um clausulado completo, simples e perfeitamente legível, adequado à leitura de um leitor comum, com letras de tamanho razoável e redigido num idioma adaptado por ambos os contraentes.
Destarte, a proteção dos direitos dos consumidores particulares encontra fundamento na declaração dos deveres de comunicação e informação, pelo que, um consumidor diligente, zeloso, cuidadoso e perseverante, afirma o seu caminhar no percurso de um conhecimento efetivo e completo do conteúdo contratual a que pretende aderir, não legitimando, desta forma, na sua esfera jurídica um “direito à legítima ignorância”.